Edição 03
Mar/Abr
2024

Sete quiabos, sete meninos

Reza a tradição: os sete meninos comem primeiro/ Foto: Manuela Cavadas

No tabuleiro da baiana

“O FEITIÇO DA BAHIA COMEÇA PELA COZINHA. VOCÊ SÓ SE ALIMENTA DE COMIDAS SAGRADAS” Carybé

A mesa do caruru de São Cosme servido nas residências baianas é farta e trabalhosa. Geralmente, uma tarefa executada em mutirão por toda a família, vizinhos e amigos, desde o amanhecer do dia. Começa com a compra e o corte dos quiabos, seguindo-se a preparação dos acompanhamentos, a decoração da casa e a arrumação da mesa, tudo para receber bem os convidados, principalmente as crianças.

Logo são feitos os pratos dos santos, com todas as comidas, e colocados em frente à imagem entronizada na casa. Depois, o caruru, prato principal, é colocado à mesa, ao lado dos acompanhamentos variados, dependendo de quem oferece a festa. Entre outros, estão acarajé, abará, vatapá, feijão de azeite, banana da terra frita, arroz branco, xinxim de galinha, feijão preto, milho branco cozido, farofa de dendê, pipoca, rolete de cana, pedaços de coco seco e rapadura.

A festa em geral começa no fim da tarde, e só termina à meia noite. Antes de servir os convidados, uma gamela bem grande, de cerâmica ou de madeira, contendo todos os elementos da mesa, é colocada sobre uma esteira no chão. Sentam-se em volta sete crianças. Todas comem dali, juntas, ao mesmo tempo, com as mãos.

Para beber, aluá, uma bebida de infusão, feita com cascas de abacaxi. Depois da comida, as crianças ganham doces e moedas, oferecidos pelo dono (a) do caruru. 

Só então os convidados são servidos, um a um. Recebem o prato arrumado com todos os elementos. No preparo do caruru, a dona da casa coloca sete quiabos inteiros. Aquele que encontrar um deles no prato tem a obrigação de oferecer o caruru em sua casa, no ano seguinte.

Mesa pronta e farta, sob a proteção dos santos meninos/ Foto: Manuela Cavadas
Mesa pronta e farta, sob a proteção dos santos meninos/ Foto: Manuela Cavadas

Entre senzalas e casas-grandes, mãe-pretas e vigários, batuques e orações, o caruru de Cosminho tornou-se uma tradição tipicamente baiana, manifestação de uma fé única, como só acontece na Bahia.  Na paróquia de São Cosme, no bairro da Liberdade, em Salvador, há missas de hora em hora, das 6h às 19h. A procissão pelas ruas do bairro, com a imagem dos santos, sai às 17 horas. É comum a presença de pessoas na igreja em trajes de candomblé e a distribuição de balas e brinquedos para as crianças na porta do templo. 

Festa dos meninos, obrigação nos terreiros. Em quase toda casa baiana, e até mesmo nos escritórios, é comum se ver a imagem dos santos gêmeos, de todos os tamanhos e formatos, entronizada na parede ou sobre um móvel no canto da sala. É uma espécie de amuleto das famílias, para guarda e proteção dos filhos.

Caruru

A escolha dos quiabos é tarefa para poucos/ Foto: Manuela Cavadas
A escolha dos quiabos é tarefa para poucos/ Foto: Manuela Cavadas

A palavra caruru vem do africano kalalu, um tipo de planta usada na culinária. Na Bahia, o caruru tornou-se um prato à base de quiabos, preparado nas senzalas dos tempos coloniais e muito usado nos terreiros como comida e oferenda para os orixás. O caruru de terreiro é um prato simples preparado apenas com quiabo, camarão seco moído, cebola e pimenta-malagueta raladas no sal e azeite de dendê – um primo-irmão do amalá. Na mesa baiana, como almoço ou jantar, o caruru ganhou mudanças, juntando novos  temperos. Segue a receita, para seis pessoas:

INGREDIENTES

100 quiabos novos e tenros; ½ copo de azeite de dendê; 2 cebolas grandes moídas; ½ copo de camarões secos moídos; ½  copo de castanhas/caju assadas e moídas; ½ copo de amendoins torrados e moídos; 2 pimentas de cheiro.

COMO FAZER

Lave e enxugue bem os quiabos, para diminuir a sua baba. Retire as pontas e faça de quatro a cinco cortes longitudinais nos quiabos; depois, apoiado numa tábua, corte transversalmente, de ½ a ½ centímetro, até o cabo, que é rejeitado. Com o fogo alto, coloque o azeite de dendê na panela, até ferver. Nele, refogue a cebola, as castanhas, o amendoim, o camarão e uma colher de sopa de sal, por cinco minutos.

Após o refogado, coloque o quiabo cortado, aos poucos; vá mexendo e misturando os ingredientes refogados com uma colher de pau. Acrescente, então, água fervendo na panela até cobrir toda a massa dos quiabos. A panela tem de ser observada e deve-se sempre acrescentar um pouco de água fervendo para não secar o conjunto, que também deve ser mexido, vez em quando, para não pegar no fundo. 

Depois de uns cinco minutos da primeira fervura, abaixe o fogo; não se esqueça de mexer o conteúdo e acrescente duas pimentas de cheiro raladas no sal. O caruru fica pronto com cerca de ½ hora de cozimento, quando as sementes do quiabo ficam rosadas. Serve-se em vasilhame alto e com concha. Sua guarnição preferida é o arroz branco, farofa de dendê ou farinha de mandioca, e peixe (de ensopado ou moqueca) ou galinha de xinxim.

(Fonte: A Cozinha Africana da Bahia, de Guilherme Radel)

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