Edição 03
Mar/Abr
2024

Renascer com sabor de chocolate

Foto: Daniel Thame

Daniel Thame

Originário da América Central, considerado um fruto sagrado pelos astecas, o cacau, e seu principal produto, o chocolate, denominado “manjar dos deuses”, encontrou no sul da Bahia o solo fértil para gerar riquezas e forjar uma civilização conhecida mundialmente por meio dos romances de Jorge Amado.

Desde as primeiras amêndoas plantadas na Fazenda Cubículo, em Canavieiras, no ano de 1746, o cacau espalhou-se pelo sul da Bahia numa conquista épica e de lutas memoráveis em que, como narra Jorge Amado em “Terras do Sem-Fim”, o solo onde brotavam as plantas que literalmente valiam ouro foi adubado com sangue.

Na virada do século 19 até os anos 1970, à parte as crises cíclicas e passageiras, as terras do sem-fim transformaram-se numa espécie de eldorado, com o cacau gerando riquezas, transformando Ilhéus e Itabuna em metrópoles e expandindo-se para cerca de 100 municípios do Extremo Sul da Bahia ao Médio Sudoeste, Baixo Sul e Vale do Rio de Contas.

Impulsionada pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), uma espécie de governo Grapiúna dentro do Governo da Bahia, a cacauicultura, além do desenvolvimento da lavoura com pesquisa, assistência técnica e extensão rural, provocou, no Sul da Bahia, obras como o Porto do Malhado, a pavimentação de estradas, construção de escolas e a reconhecida Universidade Estadual de Santa Cruz.

Uma bruxa no meio do caminho

O ciclo dourado do cacau, que parecia interminável, sofreu um baque de proporções apocalípticas com a chegada, no final dos anos 80, da vassoura-de-bruxa, uma praga que em dois anos afetou 80% da produção, resultou em cerca de 200 mil desempregados e trouxe um empobrecimento que desconheceu classes sociais.

Foram quase duas décadas de uma crise que abalou a economia regional, mas na virada do milênio, deu-se o recomeço. A adoção de espécies mais resistentes à vassoura-de-bruxa e de um modelo de produção focado na sustentabilidade marcou o recomeço da lavoura.

O pulo do gato do cacau

João Tavares, da Fazenda Leolinda, premiada duas vezes no Salão do Chocolate de Paris como o melhor cacau do mundo/ Foto: Daniel Thame

Um dos símbolos dessa virada é João Tavares, da Fazenda Leolinda, em Uruçuca, de 700 hectares, com 340 hectares de cacau cabruca e 190 hectares de mata nativa conservada. João, que é da terceira geração de produtores rurais, colhe cerca de 10 mil arrobas de cacau premium por ano, o que garante um valor de mercado até 100% superior ao cacau comum. Praticamente toda a produção é destinada ao mercado externo.

Os cuidados começam no cultivo, com plantas selecionadas, passam pela colheita no período adequado e por um processo de fermentação e secagem que garante uma amêndoa de alta qualidade, com aromas e sabores diferenciados.

 A fazenda já foi premiada duas vezes no Salão do Chocolate de Paris como o melhor cacau do mundo e permite o rastreamento da amêndoa, da planta ao consumidor final. Outro passo importante nesse processo foi a criação do selo de identificação geográfica “IG Cacau Sul da Bahia”, que carimba a qualidade.

Outro pulo do gato na retomada da lavoura do cacau deu-se com a produção de chocolates de origem, numa região essencialmente produtora de amêndoas comercializadas como commodities e ao sabor das oscilações do mercado.

A semente foi plantada pelo empresário Marco Lessa, com a criação, em 2009, do Festival Internacional do Cacau e Chocolate em Ilhéus, uma ousadia, quando se observa que à época existia apenas uma marca regional, o Chocolate Caseiro de Ilhéus, criada por Hanns Schaeppi, um pioneiro no setor.

O Chocolat Festival já atraiu mais de um milhão de visitantes a Ilhéus e já tem edições em Belém e Altamira, Salvador, São Paulo, Linhares, Brasília e na cidade do Porto, em Portugal.

Chocolat Festival, desde 2009, o maior festival da América Latina/Foto: Divulgação

Impactou de tal forma a produção sulbaiana de chocolates de origem que atualmente são mais de 100 marcas premium, algumas delas premiadas em concursos de referência mundial nos Estados Unidos, Inglaterra e França, como Chor, Benevides, Ju Arléo e Martinus.

Daniel Thame, jornalista e escritor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia Também

Vai começar a maior festa do interior do Brasil
Nos adornos e no jeito de vestir, na comida, na religiosidade, nas artes, na linguagem, no andar, na alegria e no riso largo de sua gente. Aqui, tem a mão do negro em tudo