Edição 04
Agosto
2024

Cinema revela o magnetismo das cavernas

A fantástica luz no escurinho da caverna Lapa Doce/Foto: Geovane Santos

IRAQUARA

O 4º Festival Americano de Cinema e Vídeo Socioambiental de Iraquara – Fasai, realizado com grande sucesso, em julho, na Chapada Diamantina, exibiu 54 filmes, entre mais de 200 inscritos de cinco países e 13 estados.

A locação não poderia ser melhor: Iraquara, 471 km de Salvador, cujo patrimônio é o maior acervo espeleológico (conjunto de cavernas) da América do Sul. Um evento que movimentou a economia local e deu aporte à conscientização ambiental e valorização da cultura, organizado pela Etnia Produções Cinematográficas, sob coordenação de Wilmar Ferraz e Eduardo Mattedi.

O festival exibiu e premiou obras de cinema e vídeo com temática socioambiental. A programação incluiu três módulos: Mostra Competitiva, Mostra Infantil e Mostra do Cinema Nacional, além de palestras, oficinas e apresentações artísticas.

O presidente do júri oficial, cineasta José Araripe Jr, escreveu com exclusividade para a VivaBahia sobre a importância de eventos desse porte no interior da Bahia. Veja a seguir.

É tudo verdade

José Araripe Jr

O cinema no interior da Bahia sempre foi o principal cinema da Bahia: cenários, temas, atores e autores criativos e inovadores: Glauber, Olney São Paulo, Orlando Senna, Geraldo Sarno, Juraci Dórea, Fernando Belens, Tuna Espinheira, Edson Bastos, Solange Lima, Carollini Assis, Henrique Dantas, Marcelo Oliveira Lima, Rogério Saguí e tantos outros; chegaram à capital, mas nunca abandonaram seus mananciais de identidade e inspiração.

Nem mesmo os nascidos na capital jamais abriram mão de filmar nossas conexões com o planeta chamado Bahia: Chico Liberato, Jorge Alfredo, Pola Ribeiro, Edgard Navarro, Sofia Federico, Antonio Olavo. Com o advento das universidades de cinema – algumas no interior –, também migrantes de outros estados se tornaram parte deste caldeirão de diversidade, onde brotam histórias à baiana, em cada bioma, ecossistema e território.

Festivais como o Fasai que permite ao interior fruir obras de todos os quadrantes, são urgentes e necessários, afinal a formação de plateia em cada região, juntamente com o cineclubismo, faz parte da democratização pós ditaduras que o Brasil ainda supera em busca de sua soberania popular integral.

Nessa edição do Fasai, ao lado de Sofia Federico, Kim-Ir-Sen, Carlos Del Pino e Sol Kuaray, pude testemunhar o magnetismo de Iraquara em atrair tantas belas obras – significativas, relevantes, criativas, inovadores, pungentes, cativantes e consequentes, na perspectiva que o melhor cinema é aquele que reflete nosso mundo com olhos sensíveis e críticos, que fantasia, relata ou denuncia com poesia e ternura, com firmeza e responsabilidade social.

Entre 40 obras de muitos gêneros, tipos e formatos, foi quase missão impossível escolher apenas quatro prêmios. E mais: na seleção em exibição havia muitos filmes já consagrados em outros festivais, insofismáveis em méritos.

O júri optou por fazer um recorte que batizamos de urgência social e relevância antropológica, sem perder a qualidade jamais, e assim tomamos a decisão: para longa metragem, escolhemos “O caminho das pedras”, de Harrison Araújo – corajoso panorama de enfrentamento da questão do consumo de crack nas Américas.

O média metragem – formato resgatado pelo Fasai, destacou outro documentário brasileiro:

Estudantes e cineastas na despedida da jornada /Foto: João Lins

“BR acima de tudo”, consistente e abrangente denúncia de questões territoriais na Amazônia profunda; na categoria curta metragem, de forma inédita o prêmio foi para um clip musical: “Lamento de força travesti”, de Renna Costa, exuberante mix de manifesto de gênero e fábula sertaneja afro futurista.

Mais difícil ainda, sem dúvida, foi o desafio de premiar a melhor obra baiana, que justamente veio do interior, pelas mãos de uma mulher, Pâmela Peregrino, a animação em stop motion: “Ewé de Osányin: o segredo das folhas”, jornada de descobertas de uma criança pelos mistérios curativos da floresta. Coube ainda ao filme “Guardiães do nascimento” de Janaína Trasel, a distinção de Menção Honrosa, por sua inventiva de soma de linguagens ao tratar de maternidade e naturezas femininas.

Terra, fogo, água e ar. Sem dúvida, os olhares dos cineastas participantes do Fasai conectam a cultura e a arte com os movimentos de preservação do planeta, e de respeitos às culturas e humanidades.

Na grande metáfora de trazer à luz grandes temas e aprofundar relações entre artistas das Américas, o Fasai nos leva a uma bela viagem ao centro da terra, a belíssima caverna Lapa Doce; e ali fomos surpreendidos por uma curadoria geológica de exuberância em atrações naturais sem fim; tudo isto documentado por um nativo – espectador de festivais –, guia oficial da gruta, Geovane Santos; com sensibilidade única, registrou nossa visita com um celular, brindando a todos com fotos de luminosa alma cinematográfica que ilustram esta matéria. E assim, do interior da terra nas trilhas encantadas da pré-história, surge os sinais que Iraquara é puro cinema.

José Araripe Jr, cineasta, nascido em Ilhéus, onde realizou seu primeiro filme aos 13 anos

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