Daniel Thame
Originário da América Central, considerado um fruto sagrado pelos astecas, o cacau, e seu principal produto, o chocolate, denominado “manjar dos deuses”, encontrou no sul da Bahia o solo fértil para gerar riquezas e forjar uma civilização conhecida mundialmente por meio dos romances de Jorge Amado.
Desde as primeiras amêndoas plantadas na Fazenda Cubículo, em Canavieiras, no ano de 1746, o cacau espalhou-se pelo sul da Bahia numa conquista épica e de lutas memoráveis em que, como narra Jorge Amado em “Terras do Sem-Fim”, o solo onde brotavam as plantas que literalmente valiam ouro foi adubado com sangue.
Na virada do século 19 até os anos 1970, à parte as crises cíclicas e passageiras, as terras do sem-fim transformaram-se numa espécie de eldorado, com o cacau gerando riquezas, transformando Ilhéus e Itabuna em metrópoles e expandindo-se para cerca de 100 municípios do Extremo Sul da Bahia ao Médio Sudoeste, Baixo Sul e Vale do Rio de Contas.
Impulsionada pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), uma espécie de governo Grapiúna dentro do Governo da Bahia, a cacauicultura, além do desenvolvimento da lavoura com pesquisa, assistência técnica e extensão rural, provocou, no Sul da Bahia, obras como o Porto do Malhado, a pavimentação de estradas, construção de escolas e a reconhecida Universidade Estadual de Santa Cruz.
Uma bruxa no meio do caminho
O ciclo dourado do cacau, que parecia interminável, sofreu um baque de proporções apocalípticas com a chegada, no final dos anos 80, da vassoura-de-bruxa, uma praga que em dois anos afetou 80% da produção, resultou em cerca de 200 mil desempregados e trouxe um empobrecimento que desconheceu classes sociais.
Foram quase duas décadas de uma crise que abalou a economia regional, mas na virada do milênio, deu-se o recomeço. A adoção de espécies mais resistentes à vassoura-de-bruxa e de um modelo de produção focado na sustentabilidade marcou o recomeço da lavoura.
O pulo do gato do cacau
Um dos símbolos dessa virada é João Tavares, da Fazenda Leolinda, em Uruçuca, de 700 hectares, com 340 hectares de cacau cabruca e 190 hectares de mata nativa conservada. João, que é da terceira geração de produtores rurais, colhe cerca de 10 mil arrobas de cacau premium por ano, o que garante um valor de mercado até 100% superior ao cacau comum. Praticamente toda a produção é destinada ao mercado externo.
Os cuidados começam no cultivo, com plantas selecionadas, passam pela colheita no período adequado e por um processo de fermentação e secagem que garante uma amêndoa de alta qualidade, com aromas e sabores diferenciados.
A fazenda já foi premiada duas vezes no Salão do Chocolate de Paris como o melhor cacau do mundo e permite o rastreamento da amêndoa, da planta ao consumidor final. Outro passo importante nesse processo foi a criação do selo de identificação geográfica “IG Cacau Sul da Bahia”, que carimba a qualidade.
Outro pulo do gato na retomada da lavoura do cacau deu-se com a produção de chocolates de origem, numa região essencialmente produtora de amêndoas comercializadas como commodities e ao sabor das oscilações do mercado.
A semente foi plantada pelo empresário Marco Lessa, com a criação, em 2009, do Festival Internacional do Cacau e Chocolate em Ilhéus, uma ousadia, quando se observa que à época existia apenas uma marca regional, o Chocolate Caseiro de Ilhéus, criada por Hanns Schaeppi, um pioneiro no setor.
O Chocolat Festival já atraiu mais de um milhão de visitantes a Ilhéus e já tem edições em Belém e Altamira, Salvador, São Paulo, Linhares, Brasília e na cidade do Porto, em Portugal.
Impactou de tal forma a produção sulbaiana de chocolates de origem que atualmente são mais de 100 marcas premium, algumas delas premiadas em concursos de referência mundial nos Estados Unidos, Inglaterra e França, como Chor, Benevides, Ju Arléo e Martinus.
Daniel Thame, jornalista e escritor