Edição 04
Agosto
2024

Viva a Mistura do Povo Baiano

Viva a mistura do povo baiano

Zédejesusbarreto

Tempos de criança, garbosos estudantes de escola pública desfilando.

Bandas, cores, fantasias, toda gente misturada,

verde, amarelo, azul, vermelho e branco. Festa.

A caminhada, as casas decoradas, as caras, os Encourados de Pedrão,

a capoeira, o ‘Te Deum’, a quebrança, o de comer, a paquera, os encontros,

a mestiçagem.

Meu 2 de Julho tem a ver com a insubordinação do corneteiro Lopes

Com os arautos de Santo Amaro, massapê, chulas e engenhos

Com a resistência de Cachoeira, os encantados do Paraguaçu

Com os ‘heróis’ de Itaparica, a fuga do Madeira na madruga

 Meu 2 de Julho viaja nos saveiros de João das Botas e

 Maria Felipa escalifando lusos na ilha a golpes de cansanção

 (viva a imaginação dos itaparicanos!)

O Dois de Julho do exército de esfarrapados

– pretos, caboclos, sararás, mulatos… –

Entrando famintos na Estrada da Liberdade.

Sagrada mistura no caldeirão das águas da Baía de Todos-os-Santos!

Meu 2 de Julho tem caboclos e caboclas, sim

Mais que estátuas, símbolos, encantamento, entidades

sagradas pelo povo de verdade, a criatura mais simples

Aquela que faz pedido, agradece, escreve o bilhete, crê.

No meu Dois de Julho cabe a Festa de Caboclo à noite

no Terreiro de Mãe Bebé, de Angola, na Vasco, belezura!

Que os caboclos dessa Bahia nos protejam e nos aprumem

nesse medonho guerrear de vida. A luz virá.

E viva a mistura do Povo Baiano!

Descaminhos da Liberdade

De que restos de desumanidades fomos paridos?

Herdeiros sem nome de infames degredados

vis escravizados

filhos da silva desalmados …

 

Torpe mistura de profundas dores

 que vagam ao tempo rebrotando feridas

 

Que gente somos… saída do mato

salva das águas

sal da terra

Gente criada nas senzalas

batizada nas capelas

enlameada no mangue

rasgada nos canaviais

envilecida nos cais

amaldiçoada de sangue

 

De onde e quem restamos, assim, sem eira nem beira?

–  Das brenhas do escuro

Filhos da fome e do fausto

Da ganância, ignorância, abundância

da indecência, da inclemência

Herdeiros do nada, sobras do exílio

Repasto de coronéis, bando de esfarrapados

marcados pelo chicote, redimidos pelo batuque

 

Entre arcabuzes e tacapes, oratórios e berimbau

Letrados e serviçais, a mando e revoltas

Mulatos, caboclos, cafuzos …

caldo, mixórdia do desconhecido

 

Sobras! sobras dos quilombos

De matanças, arruaças, traições, feitiços

Antropofágicos somos!

Uns descompreendidos!

 

Velhos capoeiras, como rezava Pastinha:

– Somos pretos mandingueiros, em ânsia de liberdade.

Às pernadas, trupicando pelas ladeiras,

pinga ardente no lombo, olho nas quebradas…

 

Ah! Aqui se goza e padece!

Esmagada de pobre orgulho

a gente bem que merece

outro, um novo Dois de Julho

Zédejesusbarreto, jornalista e escrevinhador

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