Jary Cardoso
QUILOMBO DO REMANSO
A maior população de quilombolas do Brasil vive na Bahia. Entre os mais de 700 quilombos do estado, vamos conhecer um pouco sobre a história, cultura e atrações turísticas da Comunidade Quilombola do Remanso, situada numa Área de Proteção Ambiental, em Lençóis, na Chapada Diamantina, tombada como patrimônio histórico, sede do Parque Nacional.
A comunidade é reconhecida pela Fundação Palmares desde 22/04/2005, possui título da terra. Lá, vivem cerca de 100 famílias, com acompanhamento da Associação Quilombola do Remanso.
Uma história de resistência e união, em uma região atualmente considerada, nos roteiros turísticos, como “destino encantador”, rico em tradições culturais, povo hospitaleiro e prestativo e natureza exuberante. Sua maior atração é um passeio ecológico e de aventura: a travessia do Pantanal de Marimbus.
São três quilombos “irmãos” – Remanso, Iúna e Fazenda Velha, este instalado em Andaraí, na divisa com Lençóis – ligados pelos rios Utinga e Santo Antônio, que desaguam no pantanal; e pelas mesmas origens: depois do fim formal da escravidão, foram fundados por trabalhadores no garimpo de diamantes. Em comum, ainda, as consequências do crescimento do turismo e do interesse de grandes empreendedores pelos recursos naturais da Chapada.
De carro, do centro de Lençóis a Remanso, são cerca de 40 minutos: pegue a BA-144 até um desvio identificado pela placa “Bioenergia”; siga pela estrada deterra por mais 16 km e chegará à comunidade habitada por uma maioria de descendentes de africanos miscigenados com indígenas.
Os visitantes são recebidos calorosamente por esses cafuzos que informam sobre a história e a cultura do quilombo. O sincretismo religioso mistura o Jarê, de matriz africana, com o candomblé de caboclo, de influência indígena, mais o catolicismo popular. Em meados de setembro, acontecem os festejos com homenagem a Santa Bárbara e carurus para Cosme e Damião.
Em outra manifestação cultural, a Marujada, homens e mulheres vestidos de marinheiros fazem representação teatral da chegada dos portugueses ao Brasil. E o mito local mais lembrado é o do Nego d’Água: um preto baixinho, porém muito forte, protetor das águas do quilombo, impedindo que se pesque além do necessário para alimentação.
Mestiçagem vem de várias gerações
A comunidade de Remanso é composta por descendentes de negros nagôs com indígenas na região, certamente os “cariri” – como afirma a maioria dos historiadores – que habitavam a região onde futuramente seria a localidade do Limão, município de Andaraí.
O Remanso atual sucede a várias comunidades da região, a primeira delas formada ainda no tempo da escravidão: os fugitivos de uma senzala ocuparam terras do outro lado do pantanal, depois de conseguir atravessá-lo, embora fosse considerado intransponível porque estava repleto de sucuris, jacarés e piranhas.
O quilombo foi fundado em meados do século 20 sob a liderança de Manoel da Silva, o Manezinho do Remanso. Embora quase 50 anos já tivessem se passado desde a Lei Áurea, em locais da Chapada ainda vigorava uma semiescravidão. Era o caso da comunidade do Limão, em Andaraí.
Ali viviam famílias sob o “sistema de morada”, espaço concedido por um grande latifundiário para residências e cultivos de pequenas roças. Em troca, trabalhavam para ele sem remuneração. Frequentemente o proprietário soltava o gado
nas roças antes da colheita, e as famílias perdiam toda a produção. Inconformado com a situação, Seu Manoel mudou-se, em 1942, com o irmão Inocêncio, três primos e suas famílias para o outro lado do rio, em Lençóis, e fundaram o Quilombo do Remanso.
O bisavô de Manezinho era índio e fora caçado no mato “a dente de cachorro”, costumava dizer o líder da comunidade, e acrescentava que o bisavô casou na senzala com uma africana. No Remanso, seus descendentes mantiveram essa mestiçagem por várias gerações, casando primos com primos.
Até o começo deste século, a vida era muito difícil. A energia elétrica só foi instalada no quilombo em 2012. E antes da chegada do turismo, os moradores viviam de plantações, da caça (que depois se tornou proibida) e da pesca.
O sagrado silêncio do pantanal
Acerte-se com um guia para o acompanhar no passeio pelo pantanal. Muitas canoas ficam ancoradas na entrada do Marimbus. Escolha uma, combine com o barqueiro o pagamento do aluguel, mais uma pequena taxa para a Associação de Pescadores de Remanso e inicie a aventura.
Movido a remo, o barco singra através de uma densa e linda capa verde, formada por pequenas espécies de vitória-régia e plantas floridas, típicas de águas paradas.
O pantanal estende-se por Lençóis e Andaraí, e recebe as águas de três rios que formam lagoas interligadas. Nelas, vivem lagartos, jacarés e, entre muitos peixes da Mata Atlântica, há o tucunaré, vindo de bacias da Amazônia.
Além da paisagem magnífica dos chapadões à distância, a vegetação na borda embrejada e na lâmina da água dourada surpreende. Muitas palmeiras, flores de todas as cores; igarapés, imensos ninhos de guaxos arriando dos galhos e tucunarés roliços atraídos pelo movimento da canoa. Um silêncio sagrado.
Jary Cardoso, jornalista e escritor
COMO CHEGAR A LENÇÓIS
De carro
De Salvador a Lençóis, são 412 km com duração de 4 a 5 horas. Saia pela BR-324 até Feira de Santana. No entroncamento com a BR-116, pegue a BA-052 até Ipirá e, em seguida, a BA-233 para Itaberaba. Acesse a BR-242 e siga até a entrada para Lençóis, na BA-144.
De ônibus
Viagem de 6 a 7 horas partindo da rodoviária de Salvador, diariamente, em três horários, de manhã, à tarde e à noite. Empresa Real Expresso/Rápido Federal – whatsapp: +55 61 985698415; vendas online: www.realexpresso.com.br/
De avião
Apenas a Azul faz voos de Salvador a Lençóis, às quintas e domingos, com duração de 1h15min. O preço varia de R$700 a R$1.900. Consulte o site: https://passagens.voeazul.com.br/