Viva a mistura do povo baiano
Zédejesusbarreto
Tempos de criança, garbosos estudantes de escola pública desfilando.
Bandas, cores, fantasias, toda gente misturada,
verde, amarelo, azul, vermelho e branco. Festa.
A caminhada, as casas decoradas, as caras, os Encourados de Pedrão,
a capoeira, o ‘Te Deum’, a quebrança, o de comer, a paquera, os encontros,
a mestiçagem.
Meu 2 de Julho tem a ver com a insubordinação do corneteiro Lopes
Com os arautos de Santo Amaro, massapê, chulas e engenhos
Com a resistência de Cachoeira, os encantados do Paraguaçu
Com os ‘heróis’ de Itaparica, a fuga do Madeira na madruga
Meu 2 de Julho viaja nos saveiros de João das Botas e
Maria Felipa escalifando lusos na ilha a golpes de cansanção
(viva a imaginação dos itaparicanos!)
O Dois de Julho do exército de esfarrapados
– pretos, caboclos, sararás, mulatos… –
Entrando famintos na Estrada da Liberdade.
Sagrada mistura no caldeirão das águas da Baía de Todos-os-Santos!
Meu 2 de Julho tem caboclos e caboclas, sim
Mais que estátuas, símbolos, encantamento, entidades
sagradas pelo povo de verdade, a criatura mais simples
Aquela que faz pedido, agradece, escreve o bilhete, crê.
No meu Dois de Julho cabe a Festa de Caboclo à noite
no Terreiro de Mãe Bebé, de Angola, na Vasco, belezura!
Que os caboclos dessa Bahia nos protejam e nos aprumem
nesse medonho guerrear de vida. A luz virá.
E viva a mistura do Povo Baiano!
Descaminhos da Liberdade
De que restos de desumanidades fomos paridos?
Herdeiros sem nome de infames degredados
vis escravizados
filhos da silva desalmados …
Torpe mistura de profundas dores
que vagam ao tempo rebrotando feridas
Que gente somos… saída do mato
salva das águas
sal da terra
Gente criada nas senzalas
batizada nas capelas
enlameada no mangue
rasgada nos canaviais
envilecida nos cais
amaldiçoada de sangue
De onde e quem restamos, assim, sem eira nem beira?
– Das brenhas do escuro
Filhos da fome e do fausto
Da ganância, ignorância, abundância
da indecência, da inclemência
Herdeiros do nada, sobras do exílio
Repasto de coronéis, bando de esfarrapados
marcados pelo chicote, redimidos pelo batuque
Entre arcabuzes e tacapes, oratórios e berimbau
Letrados e serviçais, a mando e revoltas
Mulatos, caboclos, cafuzos …
caldo, mixórdia do desconhecido
Sobras! sobras dos quilombos
De matanças, arruaças, traições, feitiços
Antropofágicos somos!
Uns descompreendidos!
Velhos capoeiras, como rezava Pastinha:
– Somos pretos mandingueiros, em ânsia de liberdade.
Às pernadas, trupicando pelas ladeiras,
pinga ardente no lombo, olho nas quebradas…
Ah! Aqui se goza e padece!
Esmagada de pobre orgulho
a gente bem que merece
outro, um novo Dois de Julho
2 Responses
Feliz com este reencontro.
Parafraseando o poeta: “a gente bem que merece outro, um novo Dois de Julho.”. Merece e carece.